O mês de Março na História de Moçambique
Março é um mês de grandes realizações.
A FAEG passa a publicar, de novo, a mensagem do seu Patrono feita em 2004, por ocasião da passagem do 08 de Março:
A Geração de 8 de Março
Antes e depois
08/03/2004
Por: Armando Emílio Guebuza
Compatriotas
Agradeço o convite que a Geração de 8 de Março me endereçou para juntos reflectirmos sobre o impacto desta data na sociedade moçambicana e tirarmos as necessárias lições para os desafios que o país hoje enfrenta. Quero saudar esta geração de jovens moçambicanos, particularmente o seu núcleo organizador, por terem tomado esta iniciativa de valorizar uma data tão importante na nossa longa História de afirmação como Nação.
Apraz-nos notar que na vossa apelação procuraram ser o mais abrangente possível, não se limitando apenas ao grupo de estudantes que foi alojado no Centro 8 de Março, mas todos os jovens que em 1977 e nos anos subsequentes foram encaminhados para importantes tarefas de reconstrução nacional.
Trata-se de uma geração que com a de 25 de Setembro, com muita entrega e sentido de patriotismo, em prol da satisfação das necessidades de toda a população moçambicana, soube reerguer Moçambique abalado pela saída em massa dos portugueses que asseguravam os interesses coloniais, apesar dos apelos feitos pelo Governo de Transição, assegurando-lhes espaço para participar na reconstrução desta pérola do Índico.
O dia 8 de Março de 1977 que hoje assinalamos, é também uma data de outras importantes celebrações. Neste dia, em 1968 chegavam a todo o mundo as notícias de que a FRELIMO tinha, no dia anterior, reaberta a Frente de Tete, a qual veio a servir de espinha dorsal para a extensão da Luta de Libertação Nacional às regiões do centro e sul de Moçambique e de frustração do plano de instalar mais de um milhão de colonos portugueses no Vale do Zambeze.
Na mesma senda, o 4 de Março, marca o Dia da Criação do Destacamento Feminino, onde pela primeira vez, 25 Mulheres foram mobilizadas e integradas na preparação político-militar em Nachingweya, para a sua formação em missões combativas. Este processo, viria a culminar com a criação da Organização da Mulher Moçambicana (OMM) em 16 de Março de 1973.
O 8 de Março, marca igualmente, o dia Internacional da Mulher. Trata-se de uma data que se insere no longo processo de luta pela emancipação da mulher e pela igualdade de oportunidades na sociedade.
A mulher está pois de Parabéns.
2. Da derrota da nossa resistência ao surgimento dos movimentos contestatários em Moçambique
A decisão da Conferência de Berlim de 1885 de que só a potência colonial que provasse a ocupação efectiva dos territórios que reclamava, teria o “título de propriedade”, forçou Portugal a aumentar os seus efectivos em Moçambique e a intensificar as suas estratégias de divisão entre os moçambicanos.
Divididos e sem consciência de estarem na mesma trincheira, os nossos heróis de resistência contra o colonialismo português, foram sendo derrotados, um a um: o Makombe, Ngungunyane, Mahazule, Mataka, Maguigwani, Uphula, Nwamatibyane, Komala, Malapende, só para citar alguns exemplos. Como sublinha o Presidente Samora Machel no seu discurso da proclamação de independência “desde a resistência de Monomotapa à insurreição do Báruè, a história moçambicana orgulha-se dos gloriosos feitos das massas…”.
O fracasso dos nossos antepassados não significou, porém, o fim da resistência dos moçambicanos. Eles ensaiaram novas formas de luta e de denúncia do invasor colonial que incluíam canções, danças e boicote das monoculturas de rendimento.
Os que tinham alguma formação académica ou experiência de lidar com o regime, organizaram-se em movimentos contestatários que procuraram negociar o fim da discriminação a que alguns deles eram sujeitos.
É neste contexto que se situam, por exemplo, o Instituto Negrófilo, mais tarde Centro Associativo dos Negros da Colónia de Moçambique, o Grémio Africano, mais tarde Associação Africana.
É também neste contexto que se situa a acção de algumas confissões religiosas e alguns sectores da igreja católica, interessados em realizar a consciencialização dos moçambicanos sobre a necessidade de resistência contra a colonização e de apoio à Libertação de Moçambique, que procuram negociar e explorar as concessões legais que o próprio regime estabelecera.
Os jovens, mais ousados, decidem, sob proposta e liderança do Dr. Eduardo Mondlane, formar o Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos da Colónia de Moçambique.
É este grupo que o próprio Dr Mondlane, mais tarde, veio a descrever, no seu livro Lutar por Moçambique, como “uma nova geração de insurrectos activos e determinados a lutar pelos seus próprios meios e não dentro dos parâmentos impostos pelo governo colonial.
Estes jovens, estavam em posição de examinar os três aspectos essenciais da sua situação: a discriminação racial e a exploração dentro do sistema colonial; a fraqueza real dos colonizados; e, finalmente, a evolução social do homem em termos gerais, com o contraste entre a emergência da luta dos negros na África e na América e a resistência silenciosa do seu próprio povo.”
A esta nova fase de resistência dos moçambicanos junta-se a formação dos movimentos de libertação nos países vizinhos. Porém, quer a acção de uns quer a dos outros não tinham robustez suficiente para abalar e levar o regime a concessões substanciais.
A figura do Dr. Eduardo Mondlane e da FRELIMO permitem congregar as forças nacionais e dar uma maior consistência à Luta pela Independência Nacional.
3. O engajamento da juventude na Luta de Libertação Nacional
Frustrada que foi a tentativa para solução pacífica do problema colonial, os moçambicanos tinham que se convencer que eram capazes de enfrentar, de armas em mão, o regime colonial e que ser colonizado não era uma condição imutável.
Foi a juventude moçambicana de então, em particular, que aceitou o chamamento da FRELIMO para se preparar para a Luta de Libertação Nacional. Para a juventude tomar estes passos teve que mudar de atitude, compenetrar-se da sua capacidade de enfrentar vitoriosamente o colonialismo e desencadear a luta que nos trouxe a luz infindável de Junho, a Independência.
Como labaredas em plena floresta que começam titubeantes antes de se alastrarem e devorarem tudo na sua rota, a FRELIMO começou a sua luta com cerca de 250 homens com uma formação e logística básicas e com grande visão e determinação de vencer um exército que tinha generais formados em academias de renome e apoiados por uma logística de grandes dimensões.
Porém, em pouco tempo o inimigo foi sentindo o impacto dos nossos golpes que lhe desferíamos em várias partes da sua sofisticada máquina de guerra.
Em pouco tempo lográmos libertar porções de terra e centenas de cidadãos passaram a viver nas zonas libertadas, livres da perseguição e repressão do regime colonial.
A libertação dessas áreas impôs-nos novos desafios: a necessidade de organizar a administração, actividades económicas, serviços sociais, especialmente nas áreas de educação e saúde. Consequentemente, a FRELIMO foi confrontado com a necessidade de prestar a necessária assistência sanitária, em víveres e em outras necessidades materiais às populações sob sua responsabilidade.
Quer no interior, quer fora de Moçambique foram os jovens que aceitaram dar o melhor de si, na criatividade e no sacrifício. Foram jovens os nossos primeiros professores muitos deles sem formação específica nem condições de trabalho.
Quisemos dar maior destaque as áreas de saúde e educação. Porém, os jovens estiveram presentes em todas as frentes de Luta de Libertação Nacional, na frente político-militar, na frente da produção e na frente diplomática.
O Instituto Moçambicano em Dar-es-salam, as Escolas de Bagamoyo e Tunduro, desempenharam um papel fundamental, entre outros, na formação de Quadros para as áreas de educação e saúde, para responder aos desafios impostos pelo processo da Luta de Libertação Nacional.
A participação dos jovens da Geração de 25 de Setembro foi determinante para a nossa vitória sobre o colonialismo português. Esta vitória, foi uma consequência lógica das conquistas revolucionárias do povo no campo da batalha. A vitória da FRELIMO desenhou-se logo após a sua fundação em 1962, ao definir a Unidade Nacional, como elemento chave da conquista irreversível da Independência total e completa de Moçambique.
A Unidade Nacional de que tantos nos orgulhamos, cimentou no seio dos Militantes da FRELIMO e da População em Geral, o alto sentido de pertença, factor que galvanizou a mobilização e organização interna do funcionamento das estruturas político militar da Frente, que alimentaram de forma consistente a guerra prolongada, apregoada pelo Dr. Eduardo Chivambo Mondlane no seu manifesto do 1º Congresso da FRELIMO, o Congresso da Unidade.
Para tornar possível a concretização dos ideais da geração de 25 de Setembro, muitos jovens tiveram que abandonar o conforto das suas famílias, descoser amizades e arriscar as suas vidas para dar o melhor de si para que Moçambique pudesse ser livre e independente.
São estes jovens, fiéis depositários e continuadores da luta de resistência anticolonial, que levaram o regime colonial a negociar e assinar os Acordos de Lusaka em 7 de Setembro de 1974.
4. Os fundamentos do 8 de Março
Ciente da inquietação que as mudanças políticas trazidas pelos entendimentos de Lusaka poderiam provocar na população branca, o Presidente Samora Machel na sua mensagem de tomada de posse do Governo de Transição, assegurou que “a FRELIMO nunca lutou contra o Povo português.
A FRELIMO é a organização de todos os moçambicanos sem distinções de raça, de cor, de etnia ou de religião. A nossa luta sempre se dirigiu contra o sistema colonial de opressão e de exploração. Por isso, todos aqueles que vivem do seu trabalho honesto, e que constituem a esmagadora maioria da população branca, têm uma contribuição positiva a dar à reconstrução nacional do nosso país, com todo o Povo moçambicano”.
Apesar de todo este esforço, o êxodo de técnicos e quadros portugueses, a quem lhes tinha sido reservado a administração e gestão da administração pública e outros serviços, não abrandou entre 1974-1975.
Para demonstrar este fenómeno podemos olhar para as estatísticas do ensino médio que reflectem o problema em apreço. Em 1974-1975 estavam matriculados no 6º e 7º anos, 1.330 alunos. Este número baixou drasticamente para 645 em 1976 ou seja para cerca de 50% do número do ano anterior.
Em consequência desse êxodo, o novo Estado moçambicano, proclamado a 25 de Junho de 1975, tinha grandes desafios pela sua frente: falta de quadros para as áreas económicas e sociais acrescidas da sabotagem económica e a ameaça externa à nossa segurança nacional iniciado pelos ataques do regime racista rodesiano de Ian Smith e continuado pelo Apartheid.
O III Congresso da FRELIMO realizado em Fevereiro de 1977, definiu a necessidade de formação rápida de quadros para todos os sectores da vida social e económica, como forma de assegurar a normalização da vida em todo o país. A questão que se colocava era onde ir buscar a matéria-prima para a formação desses quadros.
Para o Presidente Samora Machel, no seu discurso de 8 de Março, “o problema da falta de quadros surgiu desde o início da luta armada e nós conseguimos resolvê-lo contando essencialmente com as nossas próprias forças, buscando soluções populares.” Foi assim, que os alunos que deveriam prosseguir com seus estudos, na 10ª e 11ª classes, receberam tarefas em diversos sectores de actividades, tal como em 1964, quando decidimos o desencadeamento da luta armada.
Jovens da Geração do 8 de Março, a FRELIMO e a pátria moçambicana, orgulham-se pelo vosso empenho e sacrifício para que Moçambique lograsse os resultados que hoje pode exibir. Felicitamos-vos por terem sabido interpretar a letra e o espírito do Chamamento à Pátria.
A geração do 8 de Março juntou-se e complementou os esforços da Geração de 25 de Setembro e hoje os resultados são evidentes. Podemos olhar para atrás e com orgulho ler as belas e memoráveis paginas da história da nossa “Pátria Amada” que juntos escrevemos. Juntos sonhamos e realizamos o nobre sonho de defender e promover os superiores interesses da Nação moçambicana.
Avaliemos o impacto das medidas tomadas em 1977. Comecemos por olhar para o ensino médio. Como dissemos atrás, em 1974-1975 estavam matriculados nos estabelecimentos ora existentes em Moçambique, 1.330 alunos do 6º e dos 7º anos (muitos dos quais certamente estrangeiros). Em 1976 esse número reduzia para 645. Em 2003 registámos 18.290 alunos no ensino médio, 3.278 no ensino técnico-profissional e 3.841 nos Institutos Médios de Aperfeiçoamento Pedagógico, distribuídos em todo o território nacional.
É também gratificante notar que os jovens da Geração 8 de Março que muito contribuiram para a expansão da educação e formação, continuam a participar, com outros jovens na garantia do curso normal de actividades nos sectores da nossa vida política, social e económica. Mas hoje levantam-se novos desafios, parte dos quais vamos abordar a seguir.
5. A juventude e o futuro de Moçambique
A população moçambicana é muito jovem. As estimativas indicam que no ano de 2000, 44,6% da população tinha menos de 15 anos. A população moçambicana é predominantemente rural, com 23% das pessoas a viverem nas áreas urbanas. Estes dados indicam-nos de forma clara que a juventude constitui, de facto, o maior recurso humano de que o país dispõe. Como se demonstrou ao longo desta apresentação, os jovens estiveram sempre na linha da frente liderando os processos de afirmação da Nação moçambicana.
Por isso, para os novos desafios que o país enfrenta, uma vez mais, tal como em 1964 e 1977, hoje, jovens moçambicanos de todos os cantos do nosso país “A Pátria chama por vós”.
A erradicação da pobreza exige de cada um de nós uma mudança radical da mentalidade. Se ontem fomos capazes de assumir que poderíamos derrotar o colonialismo e a destabilização política e económica do nosso pai, hoje devemos assumir que podemos também eliminar a pobreza. Temos que assumir que ser pobre não e uma dádiva para os moçambicanos.
Como nos desafios anteriores, o combate a pobreza, vai exigir de cada um de nós muito sacrifício, muita criatividade e entrega. Vai exigir que contemos com as nossas próprias forças para romper com o estigma da dependência, o subdesenvolvimento, a corrupção, o burocratismo e a criminalidade.
Os jovens devem ser capazes de trabalhar, de forma pró-activa, como agentes de mudança na sociedade. Os conhecimentos adquiridos nos centros educacionais devem permitir à nossa juventude realizar uma intervenção para o progresso qualitativo da sociedade. Contribuir para atrair mais investimento estrangeiro para o país e consequentemente, do desenvolvimento do empresariado nacional. É isto que nos irá trazer mais orgulho as famílias e criará outros pontos de referência a emular.
Um outro desafio que temos pela frente é a problemática do HIV/SIDA e das doenças endémicas como a cólera, malária e a tuberculose. A nossa melhor defesa contra estas doenças é a prevenção. Por isso, os jovens são chamados a intensificar as campanhas para a contenção da propagação destas doenças e devolver a esperança de mais anos de vida aos nossos cidadãos.
O associativismo juvenil tem sido um mecanismo importante para a formação da personalidade dos jovens. Confere responsabilidades, oportunidades de formular e materializar uma visão, possibilita e potencia a sua capacidade de iniciativa e de intervenção e, acima de tudo, forma-os como homens e mulheres úteis para assumirem com patriotismo, papéis de maior relevo na sociedade.
Aproveito esta oportunidade para vos lançar um desafio para que se unam e se organizem, não só para reflectir e documentar o vosso percurso e o impacto do 8 de Março no desenvolvimento de Moçambique, mas, e sobretudo, para transmitir às gerações mais novas a necessidade de aprofundar os conhecimentos sobre os processos políticos e históricos do nosso país, para neles buscarem referências, exemplos e inspiração, o espírito de patriotismo, o valor da Unidade Nacional e o orgulho de ser moçambicano.
Queremos que o legado histórico do Dr. Eduardo Chivambo Mondlane, Samora Moisés Machel, aprimorado por Joaquim Alberto Chissano, seja apropriado pela juventude de hoje e de amanhã em prol do desenvolvimento sustentável de Moçambique.
Uma vez mais as nossas sinceras felicitações pela passagem do 27º aniversário do 8 de Março.
Muito obrigado.
© Fundação Armando Emílio Guebuza
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